Por: Professor Alexandre Ribeiro Emiliano
Desde a década de 1961 que a Igreja Católica do Brasil escolhe uma temática para meditar anualmente durante o período quaresmal: é a “Campanha da Fraternidade”. Com temas geralmente ligados às questões sociais do país, a Campanha nos convida a meditar sobre algo que nos é comum e necessite de discussão nos âmbitos religioso e social, uma maneira de afirmar que a Igreja não está isolada do mundo. “Fraternidade e Educação” (Fala com sabedoria, ensina com amor”) é a reflexão proposta para o ano de 2022.
Falar de educação no Brasil é sempre válido, urgente e necessário, sobretudo no contexto de pandemia (mas não só). O artigo 205 da Constituição Federal de 1988 estabelece que: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Como sabemos, participar do processo educativo no país é DIREITO de todos – pelo menos na teoria. Nesse sentido, Estado, família e sociedade não podem se eximir dessa atividade, pois a falta de acesso aos bens que só a educação pode nos proporcionar é, por si só, uma grave violação dos direitos dos cidadãos brasileiros.
É fato que o Brasil, apesar de ter tido uma pequena melhora nos índices educacionais, ainda ocupa os piores lugares no ranking quando o assunto é educação. Os resultados divulgados pelo PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) de 2018 colocam o Brasil em 57º posição em educação no mundo. Os estudantes do país não conseguiram avançar em leitura, matemática e ciências.
Mas por que alcançamos índices tão baixos se é comum à fala de praticamente todos os brasileiros a importância atribuída à educação? O que é que ocorre que mesmo sabendo que precisamos melhorar não avançamos ou, se o fazemos, é muito pouco, de maneira quase imperceptível. O assuntos é complexo e não temos respostas prontas. Mas, como sujeito que estudou a vida inteira em escolas públicas, cujos pais, avós, bisavós, trisavós e outros familiares, amargaram o analfabetismo. Como professor de escola pública, arrisco alguns palpites que não se pretendem únicos, fechados.
1. Desenvolver uma economia menos predatória, que dê acesso a empregos dignos
Não podemos falar de educação de qualidade sem falar de acesso a emprego e distribuição de renda. Ninguém aprende com fome. Pensar uma uma sociedade com justa distribuição de renda é imprescindível para que todos tenham acesso a bens culturais, a “comida, diversão e arte.” E é impossível ter acesso a esses bens estando desempregado. Para se ter ideia, nos dois últimos anos, o Brasil bateu a terrivel marca de 13,5 milhões de desempregados. A Organização Internacional do Trabalho (OTI) estima que o número pode chegar a 14 milhões de desempregados ainda em 2022.
2. Políticas públicas que fomentem valorização dos professores
Não se pode falar em mudança estrutural, sem falar na valorização dos profissionais da educação.
Em um levantamento envolvendo 40 países, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) constatou que “o Brasil tem a menor média de salário inicial dos professores dos anos finais do Ensino Fundamental”. Isso significa dizer que, para se manter com o mínimo de dignidade, os professores precisam desempenhar uma jornada exaustiva, estendendo-se por três horários, muitas vezes em escolas situadas em bairros e até municípios diferentes, não sobrando tempo nem dinheiro para investir na própria formação. Em Alagoas, por exemplo, um professor de educação básica com nível de doutorado tem apenas cerca de 10% de aumento salarial e, para dedicar-se aos estudos de pós-graduação (seja a nível de mestrado ou doutorado), raramente consegue licença com vencimentos. Estamos diante da seguinte contradição: o Estado exige professores com excelente formação, mas não lhes dão incentivo algum. Estudar/pesquisar demanda dedicação, tempo e investimentos.
3. Pensar políticas públicas que fomentem não só o acesso, mas a permanência dos estudantes na escola
O Brasil é um país extremamente desigual. Isso significa que nem todos que têm acesso à escola permanecem lá. Nesse sentido, precisamos pensar políticas públicas que possibilitem acompanhar efetivamente os estudantes, de modo que estes deixem de ser apenas um número e passem a ser pensados como sujeitos que precisam se manter na escola, inseridos no processo sem o qual é impossível desenvolver o exercício da cidadania. Não basta matricular, é preciso dar condição de permanência digna.
4. Eleger para cargo políticos pessoas que realmente se importam com a educação
Em todos os anos eleitorais os discursos se repetem: “vamos investir em educação!”. Infelizmente, as pautas que envolvem temas como saúde, emprego e educação viraram pasto para discurso de políticos que não se importam com o processo educacional. Eleger pessoas que pensam, conhecem e fazem parte desse processo é importantíssimo. É preciso que a educação deixe de ser apenas trampolim para eleger maus políticos e passe a ser valorizada de fato e de direito. Não cabe mais discurso bonito, é preciso mudança de paradigmas.
5. Trazer a família para a participação do processo educacional
É comum a muitos pais, também por causa do que descrevemos no ponto 1 destas reflexões, matricularem os filhos e não os acompanharem durante todo o ano letivo. É preciso destacar que os papéis da escola e da família são diferentes, embora sejam complementares. A família não pode se eximir do sua responsabilidades. A escola, por sua vez, não pode nem deve tomar para si a responsabilidade que cabe à família. Nesse sentido, despertar nas famílias a importância da sua preocupação e acompanhamento no processo formativo dos estudantes é indispensável. Dialogar sempre!
Resolver as tantas questões que envolvem a educação no país não é fácil, mas é possível. Basta pensar nas contribuições de Paulo Freire, Anísio Teixeira, Darcir Ribeiro e tantos/as que compreenderam o poder salvador da educação. É bem verdade que falta por parte dos políticos e também por parte de alguns setores da sociedade interesse real em resolver os problemas. Para eles, é bom que o povo permaneça na ignorância, feito gado no curral, quietinho, apenas mastigando o que lhe é oferecido, sem conhecer seus direitos; assim não reclama o que as leis lhe asseguram.
Independente da classe social, da cor da pele, do gênero e da identidade, permanecerá sempre válida a máxima do grande orador sacro, pe. Antônio Vieira, um dos primeiros letrados a pisar os solos tupiniquins: “a boa educação é moeda de ouro. Em toda parte tem valor”. Que a mesma educação seja tão boa e tão bem feita a ponto de lermos com compreensão Vieira e quaisquer outros autores do seu quilate (se é que há). Que seja libertadora, libertária, para todos, com amor e com respeito. Sobretudo respeito.
Amém!