“Catequese para todos”: uma entrevista com dom Antônio Muniz Fernandes

José Maurício Gonçalves – Jornalista

(Fotos: Maria Cicera/Pascom Arquidiocesana)

A semente procura terra boa para brotar. É preciso preparar este solo sagrado. O suor deve cair dos braços que conduzem o arado para irrigar um chão que nasce do céu. O semeador confia seu maior tesouro às mais simples mãos, calejadas pela messe. Bem assim devem ser as mãos da Catequese. Para tanto, a Igreja prepara os seus braços, seus olhos, os pulmões, os rins e o seu corpo inteiro nesta missão. Dos pés à cabeça, jorra o sangue do coração agricultor, renovado pela instituição do Ministério do Catequista.

Antes do plantio, os apóstolos enviados por Cristo para todos os recantos do mundo planejam os critérios e itinerários para a formação destes futuros ministros e sua devida colheita. Entre eles, o arcebispo metropolitano de Maceió, dom Antônio Muniz Fernandes, destaca a importância da escuta sinodal, com o povo de Deus em suas dioceses, para a preparação de um documento mais amplo, de todas as conferências episcopais, seguindo o anúncio da carta apostólica em forma de Motu Proprio, Antiquum Ministerium, do Papa Francisco.

A 59ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), encerrada em setembro, com a participação de 292 bispos, decidiu que a Catequese deve ser tratada como um eixo central. “Passa a ser não um tema qualquer, mas alcança uma dimensão de transversalidade; a animação bíblico-catequética estará norteando todos os outros temas, todas as outras perspectivas da igreja sinodal. Esta reflexão vai estar presente em tudo aquilo que vai ser discussão, que vai ser trabalho, em que vai se lançar luz, no próximo sínodo, que já estamos preparando”, explica dom Muniz.

E como colocar isto em prática? De que modo implantar este Ministério na realidade cotidiana das nossas paróquias e comunidades? O que fazer para elevar a Catequese a esta dimensão? “É preciso uma mudança de cabeça”, acentua o senhor arcebispo.

Para lançar luz a estas e outras questões, dom Antônio abriu as portas da sua sala, na Cúria Metropolitana, e do seu coração, com toda franqueza, zelo e objetividade que lhe são peculiares. Ao chegar para a gravação, em parceria com a coordenadora arquidiocesana da Pastoral da Comunicação (Pascom), Maria Cícera, também fomos muito bem acolhidos pelo sorriso generoso do chanceler da Cúria, padre Valmir Galdino.

Ainda com o fervilhar das reflexões trazidas da assembleia da CNBB, o senhor arcebispo apontou o caminho a trilhar na nossa província. A cada resposta apresentada, um novo passo conduz para a mesma direção. A Catequese deve ser para todos: leigos e clérigos, catequistas e catequizandos, pais e comunidade, pastorais, grupos, movimentos e ministérios, em conjunto, numa autêntica pastoral orgânica.

Daí ocorre a idéia de lançar esta série especial “Catequese para Todos”, numa integração entre a Pascom e a Comissão Arquidiocesana de Animação Bíblico-Catequética. Os conteúdos sobre o tema serão divulgados, por etapas, de acordo com os formatos que cada mídia ou rede social requer. Para quem anseia avançar sobre tudo o que foi falado, segue aqui a transcrição de boa parte da gravação com o arcebispo metropolitano de Maceió.

Ênfase na preparação

A grande novidade é que (a Catequese) deixa de ser assim um free lancer. O catequista, às vezes, na Igreja, é aquele que tem vontade de ser, e começa a exercer; às vezes, não tem nem a comunhão necessária com a sua comunidade, não tem essa identidade, não se forma essa consciência de que o ministério do catequista é um ministério próprio instituído. Esta é a grande novidade: a instituição deste ministério. Mas, para isso, é preciso ter uma preparação.

Recordo aqui, por exemplo, que nas ordens eclesiásticas, nós temos o primeiro momento, que é a adesão do candidato, e o pedido para entrar na ordem dos ministérios ordenados. Depois, os ministérios que são concedidos, de leitor e acólito, são instituídos, mas a partir de uma preparação. O candidato ao sacerdócio tem uma preparação de, pelo menos sete anos, para iniciar este processo. Então sendo ministério do catequista vamos também ainda estabelecer quais seriam os critérios utilizados na Igreja, na universalidade da sua extensão, até a Igreja particular, que vai estabelecer os critérios próprios para aceitação dos candidatos e candidatas a que possam receber este ministério.

A Iniciação à Vida Cristã (IVC), já vicenciada pelos catequizandos, deve passar a ser trilhada, de um modo mais intenso, pelos próprios catequistas, com uma preparação de, pelo menos 5 anos, por exemplo, para os mais novos? É este o sentido destes critérios e itinerários que estão sendo traçados?

Também é este sentido. E necessariamente é este sentido, da preparação. É quase que uma catequese para aqueles e aquelas que serão catequistas. O que vai nortear tudo isto é a preparação diante de três pontos essenciais, já colocados pelo Papa Francisco e também delineados pelo Motu Proprio: a COMUNHÃO, a PARTICIPAÇÃO e a MISSÃO. São esses três eixos que irão funcionar, que irão estar presentes na preparação.

“Minha Catequese” x vida de comunhão

Há pessoas que não têm espírito de COMUNHÃO com a Igreja local e particular, com a Igreja de uma forma geral, na sua catolicidade. São muito afeitas a trabalhos particulares, à “minha catequese”, ao “meu jeito de ser é este” e impõem sobre a catequese esse jeito. Não é isso o que a Igreja deseja. A Igreja deseja formar e instituir este ministério para pessoas que vão primar pelo trabalho em conjunto; com a sua paróquia, com a sua diocese e com a conferência episcopal. E essa em comunhão com o Papa.

Encontramos até catequistas que pregam contrário à doutrina da Igreja, que são contrários à doutrina do Papa, que não aceitam o Papa, que não aceitam o bispo e que não aceitam também o pároco. Então vivem nessa desorganização, dizendo-se catequista, querendo ser formador (exatamente de que, se não têm comunhão?).

Nosso lugar não é aqui

(Sobre) a PARTICIPAÇÃO, é que tudo isto depende também de uma Igreja participativa, onde todos participam, o que nós chamamos de sinodalidade. Este é o traço fundamental da sinodalidade: é esta participação dos diferentes, é lógico, diferentes métodos, diferentes maneiras, mas o objetivo sempre único a buscar, a perseguir na catequese.

E depois a MISSÃO. Não se tornar pessoas assim muito “minha paróquia”, “minha comunidade” e disto não sai. Esta Igreja não é a Igreja nem pensada por nós, nem pensada pelo Espírito Santo. A Igreja em saída, a Igreja em missão. Portanto os núcleos de catequese serão também de missionários e de missionárias. Estas crianças (e catequizandos jovens e adultos) já estarão inseridas neste processo formativo e com esta consciência de que o nosso lugar não é aqui, o nosso lugar é mais adiante, pensando a missão. Isto é importante.

Igreja não exclui

Um tema que vai ser muito usado também, e que vai estar presente, é a questão de uma Igreja que inclui, que não exclui. Uma Catequese includente, que vai ter de colocar também na sua dinâmica as crianças diferentes, as florezinhas diferentes que estão brotando nos jardins de nossas comunidades, e que não podem ser afastadas. As pessoas portadoras de deficiência, as crianças portadoras de surdez, as pessoas portadoras de problema na visão. Temos de fazer uma catequese também que esteja contemplando este aspecto da inclusão, e não exclusão das pessoas.

Formação para catequistas

É preciso que a gente revalorize a questão dos setores. A nossa diocese é muito rica porque tem uma dinâmica de setorização: setores, áreas pastorais. Não pode ser uma catequese única, deve ser uma escola catequética setorizada. Priorizar. Vamos supor que seja também a questão da priorização. Vamos imaginar que a demanda, o pedido venha da área norte. Então temos que investir na formação dos catequistas para a área Norte, como um todo.

Mas sempre dando valor à especificidade, à maneira de ser. É diferente a criança (ou o catequizando) que vem do Litoral, das praias, do Centro de Maceió, dos bairros de Benedito Bentes, Village Campestre ou que vem de nossos interiores, da área do Noroeste, da área do Vale Paraíba… Cada uma dessas áreas tem a sua riqueza própria, a sua dinâmica, na formação dos catequistas. O investimento será em setorizar. A diocese toda unida, colocando sempre a prioridade dos setores, para formar daí os seus próprios catequistas.

Não vou estabelecer tempo. Também o sínodo não vai trabalhar sobre tempo. A gente vai falar sobre essas qualidades, e a gente vai distribuir essas coisas a partir do que vamos estabelecer. Em cinco anos, vai ser possível fazer tudo isto? Eu só vou poder estabelecer, constituir e, digamos assim, conferir este ministério do catequista a partir, exatamente, desta realidade.

Comissão provincial

Eu penso que o que já está sendo feito, e tentado, vai ter que ser melhorado. Isto é o objetivo de todos nós. Definir alguma coisa não, mas melhorado sim. Por exemplo, a questão de chegar até ao catequista esse processo de formação e ser por ele assimilado, isso é de extrema importância.

Para isso, eu já estou constituindo uma comissão, que será não mais da Arquidiocese, mas da província eclesiástica de Maceió, com a nomeação de dois padres, em cada diocese. Por conta de que não adianta fazer um trabalho sozinho, da arquidiocese, se não for feito em comunhão com as nossas outras duas dioceses.

Isso já foi conversado na Assembleia (da CNBB), com dom Valdemir, de Penedo, e dom Manoel, de Palmeira dos Índios. Esta comissão vai pensar nos conteúdos e naquilo que vai ser passado neste processo de formação dos catequistas.

O padre Elison vai juntar-se a um outro, aqui na nossa diocese, com mais dois de Palmeira, dois de Penedo, e formar esta comissão, que vai trabalhar com os coordenadores diocesanos de cada área, para assim conseguir atingir os setores.

Perguntas encaminhadas pela Comissão Arquidiocesana de Animação Bíblico-Catequética

 – Quais as mudanças necessárias, na catequese, para uma contribuição eficaz no processo da sinodalidade?

Uma resposta muito simples e sincera: a mudança de cabeça do catequista. Tem que haver uma conversão. Sem isso, não há nada de eficaz. A mudança de cabeça, a mudança também profunda de sentimento, temos que buscar que o catequista tenha um coração de catequista, um coração de pedagogo e pedagoga, que sabe pegar na mão da criança e introduzir esta criança para a adolescência e, assim, para a juventudade (e vida adulta). Tem que ter este espírito de educador também.

E depois a mudança dos pés. É preciso que a gente às vezes mude a rota do nosso caminhar, não dos outros, mas do catequista. Catequista, por exemplo, que ensina catequese e nunca participa dos sacramentos da Igreja, não tem um exemplo de vida de santidade, de vida de comunhão, com o seu pároco, na sua comunidade, está caminhando fora da linha da catequese, daquilo que nós pretendemos. Esta mudança se chama conversão. O catequista vai ser convocado para ser o primeiro convertido e convertida.

– Qual o perfil ideal da (do) catequista para o serviço de educadores da fé no estilo catecumenal de Iniciação à Vida Cristã?

Um homem novo, renovado. E uma mulher nova, renovados pela força do Espírito e pela Palavra do Evangelho.

– Diante das premissas pontuadas na 59ª Assembleia Geral para a concessão do ministério leigo da (do) catequista, e olhando para a nossa realidade cultural, o senhor elegeria mais alguma (dessas premissas)?

Não, está bom, de bom tamanho. O que nós refletimos foi de bom tamanho. Tanto é que saía documento, saíam orientações, saíam cartas, ou seja, alguns pontos saindo, daquilo que ainda não foi estabelecido, e que será estabelecido.

– Qual seria o desenvolvimento ou aprofundamento cultural ideal para a formação da (do) catequista?

Eu acho que abrir a cabeça é importante. A cabeça aberta, para as ideias novas, para as coisas novas que estão acontecendo. E atenção para as mudanças que estão no mundo, no aspecto ideológico, no aspecto político, no aspecto do caminhar concreto, no nosso caso, da nossa região, e do nosso Brasil. Porque há uma tendência para o fechamento, a negação do Concílio Vaticano II, o estabelecimento de uma Igreja muito própria, muito conservadora, de valores que já não são mais valores. Temos que abrir-se para isso. Isso é o que quer, o que deseja e o que exige o Papa Francisco: uma Igreja aberta. Ele dizia sempre, uma Igreja que, muitas vezes, tem que ser um hospital de campanha, não em UTI, mas um hospital de campanha. Uma Igreja que vá em busca daquelas periferias existenciais da nossa sociedade.

Em defesa da vida, contra a fome – Aqui, por exemplo, não podemos esquecer na catequese que nós temos uma faixa imensa, de jovens e crianças, que estão passando fome. Quem passa fome não pode absorver nenhum valor cultural, nem também religioso. Quem passa fome tem que ser tratado assim. Vocês catequistas irão colocar nas suas mãos crianças afastadas, famintas, famélicas, sem pai, sem mãe e sem referencial de família.

Por isso é muito bom que estamos iniciando agora essa campanha “Bem-vindo, bebê! Salvem nossas crianças, cuidando de nossas famílias”. A Catequese tem que empunhar também esta bandeira.

– Como o senhor destaca a importância deste ministério ser temporário, com a necessidade da formação permanente e sua renovação a cada 4 anos?

Isso não tem tempo estabelecido. Agora é importante a questão da renovação, porque pode ser que a pessoa que seja instituída queira pensar que aí é o seu lugar fixo. São como os ministros da Eucaristia. Eles precisam entender que são também provisórios, que não havendo renovação, não havendo entrada, da parte deles, efetiva e afetivamente naquele processo, eles são substituídos por outros. Essa é a sabedoria que tem a Igreja, que tem a conferência episcopal, de discernir sobre isso. Definitivo mesmo tem esses ministérios de leitor e acólito porque preparam para o diaconato e para o presbiterado e para o episcopado.

– Olhando nos olhos do catequista, o que o senhor nos diz?

Eu digo três palavras muito simples. Olhando nos olhos de todos e de todas eu digo: não tenham medo, o Senhor está contigo, o Senhor está conosco. Ora, se o Senhor está conosco, quem será contra nós? E a outra palavra que eu digo também, com não tenham medo, é: coragem. É preciso que tenham coragem, de enfrentar e de assumir esta nova realidade da nossa Igreja. E a terceira palavra: Avante!

Caminhem! Saiam! E que o Senhor nos ajude! Avancem!