Por Dom Genival Saraiva | bispo emérito de
Palmares -PE e Vigário Geral da Arquidiocese.
A ascensão de Jesus é um mistério da fé cristã, é um conteúdo doutrinário da Igreja. Com efeito, assim reza a Igreja no Símbolo dos Apóstolos: “Creio em Deus Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra. E em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Espírito Santo; nasceu da Virgem Maria; padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado. Desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus; está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso, donde há de vir a julgar os vivos e os mortos.” Além da dimensão de mistério, a Ascensão tem uma face histórica, enquanto constitui, precisamente, o capítulo final da vida de Jesus na terra que esteve presente na história humana, desde o momento do anúncio do Anjo Gabriel à Virgem Maria. “E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós (Jo 1,14)”. Dessa maneira, o nascer, viver, peregrinar, evangelizar, sofrer a paixão, morrer, ressuscitar e subir ao céu são linguagens do registro histórico da vida de Jesus, “que foi provado como nós, em tudo, menos no pecado (Hb 4,15)”. A esse respeito, é claro o ensinamento do Catecismo da Igreja Católica: “O acontecimento ao mesmo tempo histórico e transcendente da Ascensão marca a transição de uma para outra. Esta última etapa permanece intimamente unida à primeira, isto é, à descida do céu realizada na Encarnação.”
Os Atos dos Apóstolos registram o fato histórico na Liturgia da Palavra da celebração da Ascensão: “Depois de dizer isso, Jesus foi levado ao céu, à vista deles. Uma nuvem o encobriu, de forma que seus olhos não podiam mais vê-lo. Os apóstolos continuavam olhando para o céu, enquanto Jesus subia. Apareceram então dois homens vestidos de branco, que lhes disseram: ‘Homens da Galileia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu? Esse Jesus que vos foi levado para o céu, virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu’ (At 9-11)”. No Sermão que pronunciou sobre a Ascensão, disse Santo Agostinho, considerando, precisamente, a natureza divina, humana e histórica de Jesus: “Hoje nosso Senhor Jesus Cristo subiu ao céu; suba também com ele o nosso coração. […] O Senhor Jesus Cristo não deixou o céu quando de lá desceu até nós; também não se afastou de nós quando subiu novamente ao céu. Ele mesmo afirma que se encontrava no céu quando vivia na terra, ao dizer: Ninguém subiu ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do homem, que está no céu (cf. Jo 3,13). Isto foi dito para significar a unidade que existe entre ele, nossa cabeça, e nós, seu corpo. E Ninguém senão ele podia realizar esta unidade que nos identifica com ele mesmo, pois tornou-se Filho do homem por nossa causa, e nós por meio dele nos tornamos filhos de Deus. […] Desceu do céu por sua misericórdia e ninguém mais subiu senão ele; mas nele, pela graça, também nós subimos. Portanto, ninguém mais desceu senão Cristo e ninguém mais subiu além de Cristo.”
A Ascensão de Jesus representa a dignificação da natureza humana, porque, quando acontecer a “ressurreição da carne”, a pessoa, criada à imagem e semelhança de Deus, será elevada ao céu, em corpo e alma. “Por sermos membros de Cristo, pelo Batismo, a realidade da glorificação do corpo de Jesus possui uma profunda consequência na vida de cada cristão: em Cristo que subiu ao céu, em união com ele, nós entramos na participação da vida divina; temos um ‘lugar’ em Deus.” Uma exigência do discipulado de Jesus, após a Ascensão, compromete os cristãos, ante a necessidade de serem suas testemunhas: “recebereis a força do Espírito Santo e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria, até os confins da terra. (At 1,8)”. A condição de testemunha dignifica e responsabiliza os cristãos, em qualquer tempo e contexto como, por exemplo, nessa situação da pandemia do novo coronavirus, “carregada de sofrimentos e angústias que oprimem o mundo inteiro”. O testemunho cristão acontece no dia a dia, nas mais diversas formas de fidelidade, solidariedade e caridade, diante do incontável número de vítimas do Covid-19 que carregam no seu corpo as consequências do sofrimento físico e psicológico e dos milhares de mortos no mundo. Cristo, elevado aos céus, continua sendo uma presença solidária junto aos seus, como assegura em sua despedida: “Eis que eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo. (Mt 28,20)”