35ª Romaria da Terra e das Águas de Alagoas: com fé, rompendo cercas, tecendo teias

Na Serra da Barriga, peregrinos da esperança caminham juntos em romaria para tecer teias de comunhão e fraternidade.

Por Lara Tapety – Ascom CPT Alagoas

( Santa Missa presidida pelo Arcebispo – 35ª Romaria da Terra e das Águas – União dos Palmares / Fotos: Lara Tapety)

A 35ª edição da Romaria da Terra e das Águas, realizada nos dias 16 e 17 de novembro de 2024, reuniu centenas de peregrinos e peregrinas na Serra da Barriga, em União dos Palmares, Alagoas, para refletir sobre o tema “Com fé, rompendo cercas e tecendo teias” e o lema “A terra a Deus pertence” (cf. Lv 25). 

Uma acolhida de fé e memória

A programação começou na noite do dia 16, no Sítio Recanto, com uma acolhida marcada por cânticos e o anúncio das caravanas participantes. A saudação aos romeiros e romeiras ficou por conta dos italianos Fúlvio, Francesca e Serena, da Associação Amici di Joaquim Gomes, e do padre Alex Cauchi, de Malta. 

“Fazem muitos anos que o nosso trabalho de sensibilização na Itália procura tecer teias junto com a CPT (Comissão Pastoral da Terra) Alagoas para apoiar as vossas batalhas porque pensamos que a luta pela terra é uma batalha fundamental e o direito à terra é um dos direitos fundamentais pelo qual se deve lutar”, disse Fúlvio. 

Padre Alex destacou que a romaria na Serra da Barriga lhe traz muitas memórias. “A cada cinco anos a gente volta aqui para lembrar de um lutador grande que nos ajuda até hoje, mostrando que nós devemos lutar, especialmente pela terra e na terra: Zumbi”, disse.

 

Reflexões e celebração na terra da liberdade

Após a entronização da Cruz sem Males, símbolo da busca pela Terra sem Males, os participantes assistiram ao filme da Campanha Nacional Contra a Violência no Campo. O vídeo apresenta dados que ilustram a realidade da violência desde 1500, quando o Brasil foi ocupado por povos europeus.

A noite seguiu com apresentação do samba de coco da Comunidade Quilombola Muquém, que animou os presentes antes da Celebração Eucarística. 

A missa, presidida pelo arcebispo de Maceió, Dom Beto, contou com concelebrantes de diversas localidades. Entre eles estavam: os padres George Lourenço, da paróquia Santa Maria Madalena e  Lourenço Júnior, da paróquia Nossa Senhora de Lourdes – União dos Palmares;  padre Alex Cauchi, de Malta, na Europa; padre Gilvan Neves, pároco da Igreja Nossa Senhora das Graças – Levada, Maceió; padre Raul Moreira, da Área Pastoral Nossa Senhora de Fátima – Rio Largo; padre Diego Vanzetta, pároco da Paróquia Senhor Bom Jesus, em Matriz de Camaragibe; e Valdo Omena, da paróquia São Sebastião em Ibateguara.

Durante a homilia, inspirada no livro de Levítico, que motivou o lema da edição, Dom Beto destacou que é preciso tecer teias de comunhão e fraternidade.  Ele também relacionou a romaria ao Jubileu 2025  – o ano dos “Peregrinos da Esperança”, citando o Papa Francisco:

“Fazendo ecoar a palavra antiga dos profetas, o Jubileu lembra que os bens da terra se destinam a todos, e não a poucos privilegiados. É preciso que seja generoso quem possui riquezas, reconhecendo o rosto dos irmãos em necessidade. Penso de modo particular naqueles que carecem de água e alimentação: a fome é uma chaga escandalosa no corpo da nossa humanidade, e convida todos a um debate de consciência”, disse.

Após a celebração, houve o encontro musical com o poeta e cantor Zé Vicente, cujas canções de fé, luta e liberdade ecoaram entre crianças, jovens, adultos e idosos. Animados, os peregrinos e as peregrinas partiram em caminhada.

Caminhada pela liberdade 

Durante o percurso, a juventude camponesa conduziu a primeira parada com o tema “A terra a Deus pertence”, apresentando o trecho do poema de Dom Pedro Casaldáliga:  “Malditas todas as propriedades privadas que nos privam de viver e de amar! Malditas sejam todas as leis, amanhadas por poucas mãos, para ampararem cercas e bois e fazerem da terra escrava e escravos os homens!”.

As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) conduziram a segunda parada com reflexões sobre o tema “Romper cercas”. Já no platô da Serra da Barriga, a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) destacou a importância de “tecer teias”, convidando os organismos da Igreja, as organizações e os movimentos sociais a compartilharem suas missões.

Chegando a alvorada, Carlos Lima, coordenador nacional da CPT, relembrou a celebração dos 30 anos da Romaria da Terra e das Águas em Alagoas, quando o bispo Dom Enemésio  Ângelo Lazzaris deitou-se no solo da Serra da Barriga em reverência, conectando-se com a terra, os ancestrais e a memória das lutas quilombolas. Inspirado por esse momento, Carlos Lima convidou os romeiros e romeiras a tocarem a terra sagrada com as mãos e/ou com os pés descalços. 

Padre George Lourenço, pároco anfitrião, destacou o espírito da romaria: “É uma experiência mística que nos leva a refletir sobre esse grande dom que Deus nos concedeu que é a natureza. A espiritualidade nos eleva para refletir sobre esse dom que muitas vezes é dilapidado e que está nas mãos de poucas pessoas”.

Encerramento em comunhão 

A romaria foi encerrada com a bênção do padre Alex e um café da manhã camponês, momento de partilha e celebração. Tapioca, beiju e outras delícias regionais reforçaram o espírito de comunhão.  

Realizada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), Arquidiocese de Maceió, Paróquia Santa Maria Madalena, Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Centro de Estudos Bíblicos (Cebi), Cáritas Brasileira, Amici di Joaquim Gomes e Pachamama, a 35ª Romaria da Terra e das Águas reafirmou a luta histórica pela terra e pela dignidade, celebrando a comunhão entre de fé, resistência e compromisso com a justiça social e ambiental.