Ascom CPT Alagoas
O bispo da Diocese de Palmeira dos Índios, Dom Manoel Oliveira Soares Filho, presidiu a celebração da romaria na matriz do Sagrado Coração de Jesus, caminhou uma parte do percurso e esteve presente na reflexão final e para a bênção e envio dos romeiros.
“Nossa Diocese acolhe a 9ª Romaria das Águas e da Terra com carinho fraterno. As romarias são expressões públicas do compromisso social que a Igreja acolhe e compreende como necessárias para garantir aos mais po
bres o acesso aos bens naturais”, afirmou Dom Manoel durante a celebração.
Após a Santa Missa, o professor Lucas Lima, do curso de geografia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), abordou os conflitos por água e terra. Lima explicou a situação das comunidades sertanejas que vivem nas margens do Canal do Sertão. De acordo com a explanação do pesquisador, o canal não tem contribuído com a resolução do problema da seca para aqueles que têm sede e fome. Segundo Lima, até mesmo pequenos agricultores q
ue estão nas margens da obra hídrica, exatamente ao lado, ainda não têm acesso a água.
“Registro que alguns agricultores perderam parte de suas terras durante a construção do canal e não foram indenizados. Registro, ainda, que o povo indígena Karuazu, aqui de Pariconha, teve seu território usado para as obras, mas não foi consultado e, nem indenizado, nem mesmo faz uso da água do Canal do Sertão. As pesquisas da Universidade Federal de Alagoas, onde nós trabalhamos, têm verificado que já há um mercado de terras às margens no Canal do Sertão, o que pode provocar a concentração dessas terras nas mãos de empresas que usam essa água”.
A fala do professor foi no sentido de mostrar que a terra e a água devem ser fontes para a vida, e não para o lucro, e não para a morte. Lucas Lima citou como exemplo de bom uso da água a produção de alimentos saudáveis por parte dos acampamentos, assentamentos, comunidades indígenas e quilombolas e várias outras sertanejas.
Ainda de acordo com Lima, as pesquisas da Ufal têm verificado o crescimento do uso dos agrotóxicos nas plantações. Com o Canal de Sertão, vários agricultores e agricultoras estão sendo pressionados para abandonar suas práticas de produção no campo e passarem a usar veneno e sementes transgênicas. Isso tem como consequência um número alarmante de intoxicação de pessoas e, inclusive, de suicídio. “A nossa pesquisa conseguiu identificar
que nos últimos 10 anos mais de 150 pessoas cometeram suicídio utilizando agrotóxicos”, relatou.
“Queremos que a terra e a água para que as famílias não necessitem sair do sertão para trabalhar no corte da cana, na construção civil, ou mesmo perder suas vidas como vigilantes em outras partes de Alagoas e outros estados. Queremos a terra e a água para fixar as famílias no sertão, e não esvaziar as comunidades”, afirmou Lucas Lima.
O momento que antecedeu a caminhada foi finalizado pelo professor com versos do poema “A terr
a é nossa”, de Patativa do Assaré, e o desejo de que a 9ª Romaria do sertão alagoano seja um espaço de reflexão, mas também de fortalecimento e comprometimento com a luta por esses bens naturais que são a terra e as águas.
O percurso contou com quatro paradas. As duas primeiras tiveram como destaque a participação dos povos indígenas da região. Uma delas ocorreu nas proximidades do açude de Pariconha e contou com o te
stemunho dos indígenas da etnia Katokinn. A segunda, no povoado Campinhos, teve o tema “Terra bem comum, direitos dos povos” e sua reflexão ficou a cargo dos povos Jiripancó, Karuazu e Katokinn.
Para os povos indígenas, a terra é considerada como mãe e espaço de conectividade com toda a criação. Eles fizeram uma intervenção de pintura com barro e dançaram o toré na romaria. Zennus Dinys, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), explicou que “a pintura com o barro sagrado, vindo de terras Pankararu, simbolizou o tronco, a árvore que gerou as pontas de rama, ou seja: os demais povos, que são fruto da migração Pankararu. Ao pedir perdão a terra, reassumimos com a mesma, o compromisso lutar e dar a vida por ela. O toré, nos convidou a vivenciar – a partir da cultura e a religião indígena – a importância de ver esse espaço de resistência como um lugar de unidade entre os povos, numa conectividade como sinal de esperança na busca do bem viver dos povos indígenas e todos àqueles que lutam por uma terra sem males”.
Após caminhar 10 km, a romaria chegou até o acampamento São Francisco, uma área ocupada em abril de 2018, às margens do Canal do Sertão. Era exatamente 5 horas da manhã quando os romeiros e romeiras chegaram a última parada.
No centro do local foi fincada uma cruz e dois pilares com água e terra, elementos das romarias. Ali se ouviu os testemunhos dos camponeses acampados Paulo e Helena. Paulo falou sobre como sua vida melhorou após entrar na ocupação. Ele contou que desde moço não aceitava trabalhar “alugado” e sempre sonhou com um pedaço de terra. Já Helena e sua família sonham em viver da terra, que é a sua luta. Ela relatou que seu marido trabalha no corte da cana no sudeste brasileiro, em Minas Gerais, próximo de uma barragem sob risco de acidente.
No encerramento da 9ª Romaria da Terra e das Águas, os agentes da Comissão Pastoral da Terra (
CPT) reafirmaram o compromisso evangélico de continuar firmes apoiando as lutas campesinas e denunciando a violência contra a natureza e os povos da terra. Os agentes foram marcados com o sinal da Cruz pelo Bispo Dom Manoel e depois, junto com padre Washington, marcaram todos os romeiros e romeiras presentes. Em seguida, o bispo, abençoou a todos e fez o envio de volta.
A peregrinação religiosa foi realizada nos dias 28 e 29 de setembro de 2019 pela Diocese de Pa
lmeira dos Índios, Paróquia Sagrado Coração de Jesus, CPT, Cimi e Cáritas Brasileira. A Romaria das Águas e da Terra do sertão ocorre a cada dois anos da Diocese de Palmeira dos Índios. A próxima, prevista para o ano de 2021, celebra sua a 10ª edição. O local e a data serão definidos em 2020.
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