Artigo extraído da coluna Catequese do Jornal O Semeador – Edição 18.423
Houve um tempo em que os escravos vindos da África e alguns forçados a abraçar a fé cristã, devido a uma fé imposta e não proposta cultuavam suas divindades de forma sincrética, nos santos e santas católicos. Eles não podiam manifestar sua própria religião e por isso “aparentemente” eram católicos. Mas hoje há maior liberdade de expressão e opção religiosa, portanto, a religião se torna sempre mais visível, uma opção consciente e livre. Hoje, diante de tantas religiões e seitas, ser católico se tornou uma escolha mais consciente e livre, por uma verdadeira evangelização e catequese.
A catequese pós-conciliar, dinamizada pela preocupação pastoral, numa nova evangelização, incentivava o diálogo ecumênico (entre cristãos) e inter-religioso (entre religiões diferentes), sem confusão de identidade nem sincretismo religioso. E para dar maior segurança de identidade, os documentos Sacrosanctum Concilium e Lumem Gentium tiveram grande força, para a formação do “Povo de Deus”. Uma fala sobre o culto e sua liturgia, o outro sobre a identidade e estruturação da Igreja, Povo de Deus, distribuído de forma hierárquica, sem confusão nem concorrência, mas num só corpo, na diversidade de dons e carismas que se convergem num bem comum, para a glória de Deus.
Assim, com uma clara identidade de sua fé e Igreja, o novo Povo de Deus não se perde numa sociedade marcada pelo retorno do “panteísmo” nem de “pan-cristianismo” manifestado nas multiformes expressões, diversas seitas pentecostais, sem um corpo bem definido nem coerência, mas sempre sujeitos a novas divisões como comumente se constata na nossa sociedade.
A catequese sobre o diálogo inter-religioso não se confunde com o diálogo ecumênico, pois esse se refere à busca de conhecimento, respeito e convivência com outras religiões, enquanto busca sincera do sacrado e da relação com Deus. Quando estudamos sobre as religiões, sabemos que existe em todos os povos uma inquientação por um ser superior, um totalmente Outro. Também chegamos a recuperar a visão da missão da religião de motivar uma verdadeira relação com Deus e, em Deus, com o próximo. O diálogo inter-religioso visa compreender a religião dos outros, sua doutrina e manifestação de culto, favorecendo sempre o respeito, a convivência e a tolerância. O diálogo inter-religioso gera uma sociedade sem intolerância religiosa.
No entanto, é importante reafirmar um diálogo inter-religioso, sem sincretismo, pois não tem sentindo utilizar uma imagem de um santo no lugar de uma imagem pagã, por exemplo, um orixá, das religiões de matriz africana. Hoje todos gozam de liberdade de expressão e religiosa, de utilização de seus próprios símbolos, sem precisar mais se esconder através de outros símbolos de outras religiões.
Recentemente, alguns cristãos católicos foram criticados e tratados como “intolerantes” e “fundamentalistas”, por terem se manifestado contra um ato que fere as normas canônicas e litúrgicas da Igreja. É importante frisar que os leigos que manifestaram indignação, não são ignorantes nem intolerantes, são leigos num sentido eclesial, a saber, pessoas conscientes de sua fé e de sua missão na Igreja e no mundo. Não são “leigos” no sentido comum das universidades, como pessoa ignorante no assunto. O ano do leigo buscou esclarecer e reforçar isso.
É importante também colocar aqui que ninguém atacou ou criticou uma religião de matriz africana. A crítica foi interna e fundamentada nas exigências do próprio culto eucarístico; para isso aconselho leitura da introdução ao Missal Romano, a carta encíclica Ecclesia de Eucaristia, a Exortação Apostólica pós sinodal Sacramentum Caritatis, sobre o zelo ao culto eucarístico e exigências, para recepção do Sacramento da Eucaristia. Portanto, está dentro do cuidado e exigência da liturgia católica. Não entra aqui um ato de intolerância, mas de zelo.
O ato religioso, mesmo tendo a “boa vontade” de convivência e diálogo, não respeitou as normas litúrgicas católicas nem aquele que rege o diálogo inter-religioso, de respeito à diversidade de culto sem “misturar” as coisas, evitando sincretismo, confusão e escândalos. As religiões de matriz africana têm muitas coisas incompatíveis com a fé cristã católica, sobretudo no ponto central: a Ressurreição. A ressurreição não é e não se compara com “reencarnação”, respeitando a quem acredita. Ressurreição não é volta num outro corpo. Ressurreição é a glorificação do nosso corpo por nossa participação na vida Divina, pelo Sacrifício de Cristo na Cruz, que nos concedeu o Espírito Divino de Santidade e Imortalidade.
Assim, os santos católicos são venerados não porque têm “poder”, mas pela intimidade, comunhão e testemnunho de discipulado a Jesus Cristo, único Salvador de toda a humanidade. Na veneração dos santos somos conduzidos a expressão máxima de louvor, de amor e de culto a Deus que é a Eucaristia. E isso porque os santos que veneramos tinham e, no céu, têm Jesus Cristo como o centro e razão do viver. N’Ele, por Ele e com Ele o diálogo com o Pai, no Espírito Santo.
Portanto, não há um escândalo por intolerância a outras religiões, mas sim um desrespeito à fé católica por sincretismo religioso e incompatibilidade de um culto de exigência da exclusividade de Deus. Certamente vamos nos empenhar em respeitar as diversas religiões, mas para respeitar as dos outros, nós temos que primeiro testemunhar o respeito àquele que participamos, sem sincretismo, entendendo a identidade que distingue a nossa fé das demais religiões e valorizando a busca do sagrado da parte de muitas pessoas. E também, em tudo aquele que serve para edificar e promover o bem estar e o bem comum, darmos as mãos, em defensa da vida, da não corrupção, da paz no mundo e da nossa corresponsabilidade com a natureza, nossa casa comum.
Pe. Marcio Roberto – Coord. Comissão Arquidiocesana para Animação Bíblico-Catequética
Mestre em Catequética pela Universidade Pontifícia Salesiana