Em Romaria, peregrinos caminham em defesa da Terra e das águas

Texto e fotos: Lara Tapety – Ascom CPT/AL

“A romaria é um momento de celebração da vida, um momento em que podemos comemorar a conquista da terra e, ainda, aquela que vamos conquistar, porque eu tenho certeza que com muita luta e dedicação nós vamos conquistar a terra”, disse o jovem José Ronaldo, do assentamento Dom Hélder ao participar da 32ª Romaria da Terra e das Águas, realizada no último final de semana, 23 e 24/11, no município de Joaquim Gomes, Alagoas.

A romaria começou na noite do sábado, 23, com reflexões e a exibição do documentário “Maldita seja todas as cercas”, produzido pela CPT de Alagoas, e da mensagem de Zé Vicente (que por motivo de saúde, não compareceu a atividade), seguidos da Santa Missa.

Estiveram presentes na celebração seis padres, Marivaldo (Paróquia São José Operário, de Fernão Velho), André Queiroz (Paróquia São José, de Novo Lino), Adriano Vieira (Quase Paróquia São Pedro e São Francisco, no Vergel – Maceió), Raul Moreira Filho (Área Pastoral Nossa Senhora de Fátima, de Rio Largo), Walfran Fonseca (Paróquia Santo Antônio de Pádua, Bebedouro – Maceió), Cesário Borba (Paróquia São José Operário, de Joaquim Gomes) e o Bispo Dom Genival Saraiva (vigário-geral da Arquidiocese de Maceió).

Dom Genival trouxe a reflexão sobre a importância da permanência da luta pela “terra e água: elementos sagrados, fontes de direitos e liberdade”, tema desta edição. Falou que um ponto importante a considerar é que esta romaria começou sendo apenas em referência à terra, mas com o passar dos anos, passou a incluir a questão das águas em seu nome. Para o bispo, isso é reflexo do aumento dos problemas ambientais.

“Vocês, jovens, estejam atentos, porque daqui há cinquenta anos estarão com que idade? E quem já está com mais de 50 anos, como estará no futuro? Essa causa [das romarias] supõe que pessoas assumam, porque ninguém vai pensar que daqui há 50 anos o problema da terra e das águas estará resolvido. Deve continuar sendo, sempre, razão dessa organização e desta mobilização”, apelou Dom Genival.

Durante a homilia o bispo afirmou o seguinte: “Reino de verdade, de justiça e de paz é o que pedimos ao nosso Senhor para nós e para o mundo, que está com o rosto tão mutilado em matéria de paz, de convivência e respeito aos outros. Deus nos ajude a viver essa liturgia, essa celebração, e a continuarmos assumindo a causa do seu povo”.

A reflexão da Santa Missa está em sintonia com a diversidade do público da 32ª Romaria da Terra e das Águas, que contou com a participação de crianças, jovens, adultos e idosos. Havia gente que esteve em muitas outras romarias e, também, que estava ali pela primeira vez.

José Ronaldo da Silva veio de Murici com outros jovens do assentamento onde vive e falou que o grupo se organizou meses antes para participar da peregrinação, porque para eles, a romaria, muito mais do que uma caminhada, é um momento de fé e de envolvimento com a mãe terra. “Para nós jovens participar da romaria é muito bom porque aqui estamos dando continuidade ao que os nossos pais começaram”, explicou.

Já a senhora Maria José participou de quase todas edições da Romaria da Terra e das Águas de Alagoas. Ela contou que sempre participa das caminhadas com os irmãos. Um dos motivos é o apoio ao sobrinho, que é engajado. “Meu pai lutava pelos pequenos e ele também seguiu o mesmo caminho. Então, para estimular e dar mais força para ele – porque às vezes a jornada é muito difícil – a família sempre está junto. Hoje estamos quatro irmãos aqui”, explicou a idosa. Para Maria José, a Zeza, a romaria é momento de se desligar um pouco desse tempo de tempestades que nós vivemos e um encontro com Deus e nossos irmãos.

União Brasil e Itália por vida digna para todos

No momento de ofertório na Santa Missa, foram trazidos o pão, alimentos produzidos nos acampamentos e assentamentos, a água e as bandeiras do Brasil e da Itália, representando a união internacional nessa romaria. Isso porque em Joaquim Gomes há um forte trabalho social promovido por italianos.

Após a celebração, houve uma homenagem à missionária italiana Irmã Daniela, que atuou em Joaquim Gomes e protagonizou – junto à sua congregação – importantes projetos no município, como a construção de ambulatório, centro comunitário e escolas, além de cuidar dos empobrecidos enquanto enfermeira e religiosa. O painel pintado pelo artista Gilvan Pontes foi entregue aos jovens da organização não-governamental (ONG) Amici di Joaquim Gomes, formada por cidadãos da cidade de Piossasco (Torino).

O prefeito de Piossasco, Pasquale Giuliano, veio ao Brasil com um grupo de jovens especialmente para participar do evento. Segundo ele, o trabalho da Congregação Irmãs de São José de Pinerolo, da CPT, da Amici di Joaquim Gomes e da Pachamama é uma grande globalização das relações. “Esse trabalho com as pessoas é exatamente o oposto da globalização do dinheiro, das armas, do poder das multinacionais. Esse trabalho educacional, a partir das escolas, é exatamente o oposto da globalização do medo e das mercadorias, que estão destruindo a beleza da terra, explorando todos os recursos naturais a partir da água e do ar”, argumentou.

Para Pasquale, a atuação das organizações mencionadas se trata da construção de redes de amizade e sentimentos para dizer que todos os jovens, as mulheres, as crianças têm direito de uma vida digna, que ofereça oportunidades e permita o desenvolvimento das capacidades, habilidades e inteligência.

Passo a passo à terra prometida

Encorajados pelas palavras da acolhida, romeiros e romeiras seguiram pela estrada de barro, por 9km, até a falida usina Agrisa na madrugada do domingo, 24, caminhando e cantando, animados pelo grupo musical da paróquia São José Operário de Joaquim Gomes.

Durante o percurso ocorreram quatro paradas contando com o local de encerramento, com reflexões da realidade a partir de uma base bíblica e teológica. O objetivo foi fortalecer entre os romeiros e romeiras o sentido de cuidar da Casa Comum, nosso planeta e de todos os seres vivos.

A primeira parada reflexiva, na horta Esperança, foi uma experiência de solidariedade. Mudas de plantas foram entregues para jovens do acampamento Mumbuca, religiosas, Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e Paróquia São José Operário, o objetivo foi estender a experiência local para outros recantos de Alagoas. A segunda, pautou a história de Joaquim Gomes e sua crise atual pela falta de água. O tema foi “água: direito de todos”. O terceiro, sobre a Terra conquistada, aconteceu no assentamento Fidel Castro, liderado pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Houve uma mística coletiva, tendo envolvimento de trabalhadores rurais acompanhados pela CPT, MST e MVT (Movimento Via do Trabalho).

A terra enquanto elemento sagrado e fonte de liberdade foi o tema da performance do encerramento da 32ª Romaria da Terra e das Águas. Ocorreu a leitura do livro de Êxodo, que retrata a intervenção de Deus na história, quando convoca Moisés a marchar com o povo escravizado e humilhado para uma “terra espaçosa que corre leite e mel”.

Ao final, como lembrança da Romaria os participantes receberam uma pequena garrafa com água da horta Esperança, enchidas e adesivadas pelas crianças do projeto.

 

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